Por que até hoje a humanidade não ‘solucionou’ as pragas de gafanhotos
Explosão populacional recorrente é atribuída por especialistas principalmente a fatores climáticos, como chuva, umidade e temperatura, que têm se acentuado por causa da ação do homem. Quando a conjunção favorece, quase 20 espécies de gafanhotos deixam a vida solitária para trás e passam a devastar lavouras em nuvem.
06 de julho de 2020 às 10h26 Por G1
Na Bíblia, os gafanhotos, a oitava das dez pragas, devastam árvores e campos no Egito. Nos registros do historiador romano Plínio, o Velho (23-79), 800 mil pessoas morreram de fome por causa de nuvens do inseto na região que hoje engloba Líbia, Argélia e Tunísia. A partir do fim do século 19, há registros de infestações no sul do Brasil por décadas seguidas — em Santa Maria (RS), conta-se até que uma nuvem de gafanhoto escureceu o dia, de tão densa.
Atualmente, uma espécie de gafanhoto (Schistocerca gregaria) consome plantações no leste da África, no Oriente Médio e no sul da Ásia, ameaça a segurança alimentar de 10% da população mundial e é considerada a praga migratória mais perigosa do planeta.
A América do Sul vive hoje um misto de devastação e tensão por causa do inseto. Gafanhotos da espécie Schistocerca cancellata passaram por um processo natural no qual deixam de ser solitários e passam a viver juntos. Em maio e junho, consumiram plantações no Paraguai e na Argentina. Agora, há expectativa de que eles possam voar para o Brasil ou o Uruguai ou mesmo se dispersarem.
O governo argentino tem conseguido reduzir o tamanho da nuvem, mas condições climáticas e a dificuldade de acesso ao lugar onde os insetos estão reunidos prejudicam o monitoramento diário. Ainda sem saber se será atingido ou não, o Brasil decretou situação de emergência previamente e publicou portaria com diretrizes e agrotóxicos recomendados para o combate da praga. O plano de ação cabe a cada Estado.
O fenômeno de explosão populacional de gafanhotos tem milênios, mas até hoje o homem enfrenta sérias dificuldades para contê-lo.
Esse processo leva à mudança de cor, ao aumento da resistência a inimigos naturais e à liberação de serotonina no sistema nervoso do gafanhoto, o que afeta sua sociabilidade e seu apetite. Normalmente, o inseto consome o equivalente a algo entre 30% e 70% de seu peso, mas essa taxa pode subir para 100% em certas condições.
Gafanhotos habitam o planeta há pelo menos 300 milhões de anos, segundo dados coletados em fósseis, e com bastante êxito, adaptados a diversos ecossistemas. Esses insetos, que em geral medem de 3 cm a 8 cm, desempenham papel ecológico importante na troca de nutrientes do ambiente, ao controlar o crescimento de plantas e transformar tecido de planta em tecido animal, se tornando uma rica fonte de proteína para predadores (incluindo o homem), por exemplo.
Quão difícil é combater nuvens de gafanhotos?
Uma espécie de gafanhoto é considerada praga quando passa a disputar espaços e recursos com o homem, causar prejuízos financeiros e ameaçar a segurança alimentar de populações humanas, além de atender outros critérios (tamanho, duração do surto etc.).
Uma conjunção de fatores climáticos, como níveis de temperatura, umidade do ar, chuvas e ventos favoráveis à sua reprodução, pode estar por trás do fenômeno. Há também influência do uso excessivo de agrotóxicos e da prática de monocultura, que podem eliminar predadores naturais como aves e sapos e ampliar a quantidade de alimento disponível.
O combate ao gafanhoto enquanto praga é bastante complexo, e a FAO aponta alguns motivos:
- o fato de os insetos ocuparem áreas enormes e de difícil acesso (a maioria dos satélites não consegue detectá-los)
- as mudanças climáticas imprevisíveis que influenciam explosão populacional dos insetos
- falta de recursos para monitorar e controlar populações de gafanhoto em países vulneráveis, e assim “prever” surtos
- escassez de profissionais treinados em monitoramento e combate
- coordenação falha entre os países atingidos
- dificuldade de aplicar pesticidas diretamente nos gafanhotos em razão do tamanho das nuvens e da capacidade de voo (até 150 km por dia)
Fernando Rati, especialista da FAO na Argentina, afirmou que a melhor maneira de combater o Schistocerca cancellata é com fumigação aérea e monitoramento constante da área onde ele vive, que inclui Bolívia, Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil.
No caso do gafanhoto-do-deserto (Schistocerca gregaria), que atinge África, Oriente Médio e Ásia, o serviço de informações administrado pela FAO fornece previsões, alertas precoces e sobre o momento, a escala e a localização das invasões e criação.